E desabou um enorme temporal sobre a cidade

calhambeque vermelho
Céu cinzento anunciava um temporal. E eu sem meu guarda-chuva. Há meia hora
atrás o céu estava azul, límpido, com poucas nuvens! O tempo é mesmo brincalhão.
E eu que não estava com tanta pressa fui obrigado a acelerar minhas passadas.
Atravessei a faixa de pedestres num sinal fechado, e reparei pela milésima
vez o ritual do vendedor de balas.
Os carros param ao sinal vermelho, ele coloca suas balas nos retrovisores; um pacote
em cada carro. Depois volta e vai recolhendo um por um. Nunca vi ninguém comprar
um pacotinho sequer das suas balas; acho que seu emprego não é tão doce assim!
E antes que eu pudesse tecer mais algum comentário em pensamento, ressoa  pelos
céus um estrondoso trovão. E mais outro. As pessoas ficam malucas. Você consegue
ver em seus rostos um certo temor. Até parece que elas acham que o mundo vai
acabar. Acho que ninguém gosta de chuva. Mesmo quando falam que é bom
para a agricultura, ou amainar um calorão de 35 graus. Eu chego a ficar meio
preocupado também. Ainda mais que estou em um bairro residencial, e a
probabilidade de eu encontrar uma marquise para me proteger se torna nula.
Nesse instante começo a sentir pingos enormes sobre meu corpo, e uma rajada forte
de ventania. As árvores começam a dançar e a jogar folhas pra todo lado.
Parecem confetes num baile de carnaval. E mais um, dois, três trovões.
O céu mais escuro ainda. O vento mais forte. De repente a água desce com vontade.
Fico todo ensopado e resolvo não mais andar com pressa! Prá quê?
O temporal se consumou. Não havia escapatória.
Fui andando por ruas molhadas, todo encharcado, da cabeça aos pés. E sentir um
pouco de frio era inevitável. Mas não me importei. Lembrei até de uma música do
Gilberto Gil. ¨…faz muito tempo que eu não tomo chuva; faz muito tempo que eu não
sei o que é me deixar molhar… Bem molhadinho, molhadinho de chuva… faz muito
tempo que eu não sei o que é pegar um toró…¨  
Depois passando de novo pelo sinal, vejo novamente o vendedor de balas.
Retiro do meu bolso uma nota de dois reais, toda molhada, e lhe ofereço.
Ele me dá dois pacotes de balas. Eu não aceito, e digo que  o dinheiro é uma cortesia.
Nesse instante a chuva cessa definitivamente. O céu volta a ficar azul.
E numa outra esquina, parado no sinal, um calhambeque vermelho, sem capota,
com o rádio ligado e tocando a música dos Beatles, Because.
Olhei para o céu e pude observar um lindo arco-iris cortando a cidade de
cabo a rabo. Parecia uma cena surreal!!
Eh; Pensei comigo mesmo:
¨- A vida é muito perfeita! Às vezes não parece! Mas é!!¨

Calhambeque

A musica do Gilberto Gil se chama sonho molhado, 1981